13 de dezembro de 2020

Para o menino com uma estrela

Sabe as nossas conversas? Eu já reli umas três vezes, tudo. Cada áudio. Cada figurinha e meme e linha. Então chego no fim e volto no início. Dou risada de novo, fico triste. Fico procurando indícios do fim, prenúncios do desastre para tentar voltar no tempo, para evitar. Daí passo a noite inteira nesse trabalho árduo, Sísifo rolando a grande pedra de novo e de novo até falhar miseravelmente. 

Meu maior medo era que você pensasse... era que você pensasse que foi tudo mentira. Então vem uma vontade enlouquecedora de falar com você, puxar assunto, te marcar num meme qualquer para você rir, depois me perdoar. Você foi a primeira pessoa que pedi perdão, não que isso importe, nem faça meu erro ficar 0,0001% menor. Não fica, não ficará. Nem estou em condições de me justificar, mas como essa ansiedade vem me definhando aos poucos, por favor, me permita abrir esse coração capricorniano antes que somatize algo em mim. 

 Não estou amadurecida para encontros, por isso evitei sentir por toda vida. Lembra que falei sobre animais de estimação? Pois é, nunca tive nenhum! Não ria de mim, juro que essa informação tem relevância, porque entro em pânico com a iminência da morte, consequentemente evito me apegar a qualquer ser vivo. Esse medo se estendeu para amigos, passei a evitar enterros, fujo como diabo da cruz perante qualquer demonstração afetuosa. Sinto o coração paralisado só de escrever sobre, acho que não aprendi gostar de ninguém. 

 Quando começamos a conversar naquele dia, deixei tudo preparado, se algo saísse do controle era só puxar a “cordinha” e abrir o paraquedas. Péssima analogia, sei que você me ajudaria a criar outras muito melhores. Então você pegou minha mão para sentir a queda livre como nunca antes. Foi como voar. Estava sonhando, amando, mil planos, quando meu sistema padrão entrou em pane total durante uma noite assustadora. Sim, nunca senti isso antes. Sim, nunca tive essa conexão com mais ninguém. É pânico que fala? 

Como boa filha perdida no meio da tempestade corri para espiritualidade. Mentira. Primeiro joguei mil cartas de tarô, li seu mapa astral de ponta cabeça, barganhei com os anjos, vasculhei sua vida inteira na internet. Precisava de algum motivo plausível para desencantar o que estava encantado no meu coração. Era meu lado racional tomando as rédeas, criando listas de prós e contras. Não cheguei a nenhuma conclusão definitiva. Corri para espiritualidade feito um cachorro perdido. Nesse ponto, não tenho o que reclamar, pois meu padrinho espiritual tem me livrado de muitas furadas. Pensa numa ascendente em peixes vagando por aí? Se estou viva é por milagre praticamente! Ele me abraçou, chorei até desidratar, daí perguntei sobre nós dois. Ele não disse faça, ou não faça, mas confirmei a negativa no meu peito. Foi uma bigorna sobre minha cabeça. Das outras vezes que perguntei e não ouvi me ferrei tanto, me machuquei tanto, não passa pela minha cabeça desrespeitar nunca mais, mesmo que meu corpo te deseje, minha mente te admire, meu coração esteja na tua completamente, nada disso tem peso maior que ouvir a espiritualidade pra mim. 

 Chegamos no momento presente, separados, devido ao meu pensamento: antes doer agora, do que depois, quando o estrago será maior. Juro por tudo que é mais sagrado que pensei em poupá-lo nesse hora, por mais absurdo que pareça. Minha esperança com essa “carta” é que você um dia possa transformar esse desejo/afeto/amor dentro de você. Que possamos dividi-lo em forma de amizade. Caralho! Nem eu sei se vou conseguir essa proeza, porque tá muito foda. Tá doendo demais. Quero confiar no tempo como melhor remédio, me ajuda a acreditar. Por favor, me diga que é possível existir um espaço protegido, entre amor e ódio, um lugar neutro onde possamos estar abraçados e seguros? Um banco de jardim, você no meu colo, longe de tudo, lendo Silmarilion em paz? 

Ou... seja sincero e me diga de uma vez: Pri, esse lugar chama-se esquecimento.

11 de dezembro de 2020

Guardiã

Estou aqui com suas delicadezas numa caixa, guardadas debaixo do meu travesseiro
Você está seguro comigo. 
Eu vou abraçar cada testemunho seu 
Cada confissão e medo. 
Vou proteger sua identidade 
Sua certidão 
Seu sobrenome, 
Você pode dormir agora. 
Confia em mim. 
Com amor, seu amor.

10 de dezembro de 2020

O baile

 

Hey, 
Foi reencontro? 
Sua mente racional, meus sentimentos à flor da pele 
Misturados numa dança de par. 
Uma reviravolta, inverteram-se as posições: 
Seus sentimentos à flor da pele, minha mente racional. 
Foi o fim.
O amor não é suficiente afinal.

29 de outubro de 2020

A fonte infinita das ideias

A quarentena me deu quilos a mais e uma terrível dor no ciático 
Porque trabalhar sentada nunca foi possível numa sala cheia de crianças. 
E caminhar era necessário ao trocar de escola na hora do almoço, meio correndo, meio olhando os pássaros nas árvores, 
Meio tomando um solzinho, meio pensando na próxima aula ou projeto. 
A quarentena me deu horas extras de serviço, salário menor, 
A ansiedade descontrolou meu sono. 
Mas agora eu entendi. 
Sou árvore com imensas raízes: minhas avós, minhas tias, minha mãe. 
Essa expansão corporal abrigou o milagre que é carregar essa bagagem, 
Tão pesada, mas tão bonita! 
Portanto, eu, Priscila Machado, recebo esses quadris maiores, pernas grossas, braços grandes, 
Dia 29 de outubro de 2020. 
Eis o ritual sacramentado dentro desse poema.
Hoje sou árvore frutífera, amanhã serei raiz também.

8 de outubro de 2020

365

Amor que deu certo, 
Como você está? 
Sabe, 
Quando a gente se afastou, imaginei um cavalo branco. 
Que vergonha, eu sei! 
Você faria piada sobre isso. 
Meu discurso reto e seco 
Nunca deu brechas para cavalos brancos, 
Mas eles me povoam. 
Então, como dizia, 
Imaginei você nesse cavalo com 365 cartas na mão vindo até mim. 
Tá, na mão não, numa bolsa a tira colo para facilitar. 
Daí você diria: Olha, meu amor, minhas 365 cartas com ‘eu te amo’. 
Não! Tantas vezes Eu Te Amo ficaria monótono. 
-Olha, meu amor, minhas 365 cartas com assuntos diversos para não te deixar entediada, as quais nunca chegaram até você por diversos obstáculos. Mas sei que não ficou entediada porque sua vida é cheia de compromissos legais. Até fiquei sabendo que está aprendendo ukulele, é verdade? 
Corta para cena do beijo, ou eu tocando ukulele pra mostrar como estou indo bem, estou em dúvida nessa parte. 
O fato é que não teve cavalo de nenhuma cor. Você se aproximou algumas vezes, porém esperava algo maior. Maldita Disney com seus contos-de-fada adulterados. Você sabia que nos originais as irmãs da Cinderela cortam os pés para caber no sapato? E a Ariel termina virando espuma do mar? Mas isso são outras histórias. 
Resumindo: não lutou por mim, não me convidou para fugir, nem disse “quero ser pai dos seus filhos”. 
 (pausa dramática) 
Jesus, como quero ser mãe! Não te disse? Desculpe. Também descobri faz pouco tempo, uma vontade absurda. Provavelmente adotarei uma criança, não sei ainda. Mas essa é outra história também. 
Percebe a contradição? Você não fez nada daquilo que imaginei que você faria, entretanto nunca disse que gostaria que você fizesse! E como não tem uma bola de cristal, jamais poderia saber. Preciso melhorar minha comunicação urgente! 
Esses dias fuçando na internet, descobri, o tempo passou, você está feliz (com outra pessoa). Tá, vai me dizer: ‘rede social é fachada, nada muito confiável’. Vou te responder que sonhei contigo. Minha intuição é bicho brabo, nunca falha. Só quando forço a intuição para caber nos meus desejos, daí é marmelada. Dessa vez foi verdade, juro, a gente conversou e tudo! 
Pela primeira vez te nomeei ‘amor que deu certo’. Você riu. Achou bonito também. 
Disse: -Ai, Pri, só você... 
Pensa comigo, tem terminologia melhor para nós dois? Fomos muito bem juntos. Você me acolheu depois de um relacionamento abusivo com tanto carinho em seus abraços infinitos. Eu te dediquei amor purinho, com todo meu coração. Só lembrando, capricornianas tem má fama nesse quesito! 
Tudo bem, não vamos terminar juntos, as bundinhas murchas dançando num asilo com ar-condicionado. É um pouco triste essa parte. No entanto, quero sua felicidade. A minha também, posso querer as duas coisas porque sou professora no Brasil, isso me confere superpoderes, sabia? 
Tudo aconteceu na hora certa, do jeito certo, confio na gente, nas nossas escolhas, nessa liberdade conquistada. 
Eu te amo? Claro! Amor não acaba assim feito espumas ao vento, como diria a canção. Meu sentimento foi transferido para alma. 
Inclusive, estou abraçando você em pensamento agora. 
Sentiu? 
Pronto! Posso recomeçar com uma nova pessoa, sozinha, isso não importa mais.
Obrigada por tudo.

13 de agosto de 2020

23 de julho de 2020

Para minha filha que vai chegar

Tenho 34 anos 
E quero ser mãe. 
Um pouco mais de 6 anos por meios naturais, 
Um prazo estendido, se for adoção. 
Uma vontade de dividir isso com um companheiro 
Mas também pode ser sozinha, se não der pé. 
Então fiz esse poema para registrar esse desejo 
Na esperança de voltar para reler, 
Porque a vida é uma eterna releitura, no fim das contas. 
Tenho 34 anos: 
Esse é meu amor expandindo! 
E como não consegui fotografar o exato momento da explosão, 
Escrevi. 
Tem um tanto de singeleza nos poros, ramo, flor, semente 
Uma jardinagem intensa no meu coração. 
Penso na situação do país, guerras, ecologia, 
Entretanto a vontade segue comigo, 
Sobreposta e imensa. 
Como não consegui fazer uma canção sobre o exato momento, 
Escrevi. 
Tenho 34 caminhos abertos em mim. 
Penso na maternidade desafiadora, 
Minha filha ri em algum lugar, aguardando, aguardando... 
Ela já está pronta. 
Como não pude pintar um quadro sobre, 
Escrevi. 
Tenho mais de três décadas desaprendendo 
Para ser mãe.
Estou pronta? 
Ela cochicha que o caminho se faz caminhando. 
Como não pude esculpir uma obra, 
Escrevi meu poema pré-maternidade 
Para minha filha que vai chegar.

24 de maio de 2020

Em dobro.

Nessa quarentena escutei seu nome quarenta vezes 
Desenhei seu rosto quarenta vezes 
Cantei nossa canção quarenta vezes 
Chorei quarenta e uma vez que durou a noite toda. 
Nessa quarentena nutri meu amor-próprio quarenta vezes 
Revisei meus motivos outras quarenta 
Mordi os lábios quarenta vezes 
Enlouqueci quarenta e uma vez que quase te liguei. 
Não liguei. 
Nessa quarentena seu fantasma me assombrou quarenta vezes, 
Mas ressuscitei oitenta 
Eu sempre me reconstruo 
Em dobro. 
Ser ímpar é resistência.

20 de abril de 2020

Matriosca

Estar isolada dentro do isolamento 
É ficar numa caixa dentro de outra caixa.
Hoje, espiei pra fora: olá, mundo exterior. 
Esse dom para reinventar está aqui. 
Tomo posse de mim mais uma vez.

18 de abril de 2020

Joia da semana

Hoje é sábado 
Então me permito alguma alegria. 
Abro as janelas 
Canto desafinado, 
Porque é sábado, afinal! 
Não tem vírus, medo, tristeza que apaguem essa luz: 
Confiar é extremamente luminoso. 
Tenho tudo e mais um pouco para dividir.
Hoje é sábado, o amanhã se basta. 
Brindemos esse presente.

4 de abril de 2020

Boletim da quarentena10: encontrei a trilha de Amélie Poulain. Nota mental: tocá-la ao subirem os créditos finais.
Boletim da quarentena9: não sei escrever textos felizes mais. Por favor, imagine um emoji engraçadinho bem aqui.
Boletim da quarentena8: qual o nome do filme? Workaholic à beira de um ataque de nervos.
Boletim da quarentena7: relendo livros antigos desconfio de duas coisas: ou eles eram muito diferentes ou eu li tudo errado.
Boletim da quarentena6: açúcar e mais açúcar. Minha ansiedade nunca pede alface.
Boletim da quarentena5: ouvir músicas antigas é uma faca de dois gumes: pode salvar ou afundar mais ainda. Crie sua playlist com precisão cirúrgica em momentos de crise.
Boletim da quarentena4: eles dizem que quando a gente morre a vida passa na frente dos olhos feito um filme. A iminência da tragédia é um vale a pena ver de novo todo dia, com close nas partes erradas.
Boletim da quarentena3: gostaria de salvar alguém com meus textos, isso é possível? 
Ou é só uma maneira desesperada de não me sentir tão sozinha? 

Boletim da quarentena2: tem dias mais fáceis. 
Tem dias mais difíceis. 
No espaço entre eles, eu danço.

1 de abril de 2020

Vocês são importantes.

Boletim da quarentena: tem alguém aí? 
Estou descobrindo cantos da casa inexplorados,
Cantos de mim, quase intactos. 
Tem alguém aqui? 
Vejo números e mais números na tv. 
Quem eram essas pessoas? 
Elas cantavam no chuveiro, faziam palavras cruzadas, sonhavam em conhecer outro país? 
Não quero ser estatística também, 
Sou professora. 
Tinha aulas todos os dias sobre ser gente. 
Humana. 
Não número. 
As crianças me ensinaram, pacientemente, sobre a vida. 
Tenho medo de esquecer, 
Ou não ter aprendido o suficiente. 
Elas ensinaram, sobretudo, não coisificar pessoas. 
Por isso, guardo aqui a memória dos que se foram
Vocês são importantes.

21 de março de 2020

Batismo

Eu sei como falar 
Porque pego sapiência com a minha criança 
E digo minhas pequenezas de ser gente. 
Importância das coisas humanas nem sei se tem,  
Mas ela não importa se é necessária. 
Ela existe e pronto 
E existindo, diz. 
Às vezes, me acorda 
Puxando o cabelo: 
- Precisa ser agora? - manifesto. 
Urgência é para criança. 
Eu chamo poema, ela chama brinquedo.
Faz festinha quando canto no delírio dela. 
Quando estou triste, pra morrer, 
A menina inverte e canta pra mim: 
Desconfio que me batizou na infância.