28 de julho de 2016

Metamorphosis

Existe uma lagarta na gente. 
Tenho uma aqui dentro. 
Não sei bem ao certo a data precisa 
Em que apareceu. 
E eu 
Que nunca tive gato 
Nem passarinho, 
Que nunca ganhei tartaruga 
Nem cachorro, 
Passei a criar inseto. 
.
Durante a noite, quando tudo silenciava, 
ouvia suas patas sob os móveis 
Da minha cabeça. 
No começo, achei graça: 
Tão miúda a bichinha! 
Ela me fazia companhia, 
Alimentando meus delírios 
Cada vez mais sombrios. 
Mas os dias seguiram 
E a criatura cresceu além do aceitável. 
Não podia admiti-la ameaçando minha solidão. 
Quis assassiná-la. 
.
Estava frio, deitei sua cabeça no colo. 
Ficou quieta. 
Uma das minhas mãos segurava seu corpo, enquanto a outra, firme, 
desenhava movimentos rápidos. 
No começo foi silêncio. 
Um vazio, mais nada. 
Entretanto, misteriosamente,  os ruídos retornaram 
Pouco a pouco 
Feito dedos diabólicos tamborilando meu juízo. 
- Não pode estar viva, está feito - eu gritava. 
.
Nunca mais subi ao sótão da mesma maneira. 
Hoje, quando os monstros crescem demais 
Procuro por mensagens escondidas em lugares improváveis. 
Mesmo que pareça insana, 
E talvez seja, 
Quero muito acreditar nas borboletas. 
Não vou mentir, muitos planos de morte se seguiram, 
sucedidos por tantos outros renascimentos sem explicação, 
Mas tive uma escolha:
Escolhi viver.

26 de julho de 2016

Maturidade

Pronto. É o fim declarado.
Sem gritos de bomba
fogos
Nem som
Só silêncio.
Morrer com educação.
Sem vingança
Sem aparecer na porta da sua casa
Depois de ligar incessantemente
Na madrugada.
Sem rímel na camisa branca.
Essa é a etiqueta
Do fim.
De uma dor canalha que vem sem boas maneiras
Mas havemos de ser fortes
Havemos de ser frias
Havemos de esconder
Nossos ruídos
Para ser bem mais feliz.
Só que havemos eu não posso
Havemos eu não quero
Sou barulhenta bem alto
E vou quebrar o seu nariz.

6 de julho de 2016

(...) sem perder a ternura.

Noite passada encontrei minha menina: doce, vestido rodado e longos cabelos.
- São muitos os lobos, você precisa crescer - expliquei.
Aquele ser encantado não questionou, apenas sorriu e adormeceu nos meu braços de "adulta responsável".
Foi velando seu sono que, finalmente,  compreendi.
Ela não pode ser o que sou, sendo parte tão importante de mim. Se morrer, como reconhecerei a pureza do mundo? Como entenderei os olhos de uma criança? Como encontrarei o amor?
Minha pequena precisa existir pra que eu exista completa.
Sou forte, posso cuidar dela, bem como consolá-la quando a realidade é cinza, mas não consigo sozinha. Preciso da criança porque sou infância também.
E, ademais, posso ser várias: mulher é desdobrável, não é, Adélia?
- Nós somos.